O PALHAÇO: E o pai

RESUMO:

Dentro de sua casa, durante conversa telefônica George faz ameaças para irmã de sua ex-esposa, quando avista pela porta da frente de sua casa um homem, com uma roupa aparentemente encardida, pulando o muro do seu quintal. Apesar do choque e da estranha situação, George resolve tirar satisfações e saber o que aquele sujeito pretende, invadindo sua residência desta forma.

 

O PALHAÇO

Em um bairro de São Paulo, por volta das 17h00, dentro de sua casa, George faz diversas ameaças por telefone para Vanessa, a irmã de sua esposa, Marta.

GEORGE
Olha aqui, sua vagabunda...

VANESSA
Me respeita!

GEORGE
Vagabunda sim, igualzinha à outra que fugiu daqui de casa!

VANESSA
Fugiu, porque ninguém aguenta viver do seu lado!

GEORGE
Escuta, acho bom ela está aqui antes das garotas voltarem da escola, se não eu arrebento ela, você e quem tiver com vocês!

VANESSA
Não apareça por aqui! A gente já avisou a polícia!

GEORGE
E por acaso acha que ligo pra porra da polícia? Quero ver o que a Marta vai dizer para as filhas dela se eu for preso...

VANESSA
Você é lixo mesmo, usando as filhas desta forma, já passou da hora das meninas saberem o tipo de pai que elas têm...

GEORGE
Elas têm um pai ótimo, e você nem filhos tem, porque Deus sabe o que faz...

Um barulho vindo do lado de fora interrompe George. Vanessa continuou a xingando e berrando, mas George a ignora ao ver pela porta da frente, que estava aberta, uma marreta colorida jogada em seu quintal. Seu pequeno pinscher, Pepe, começa a latir eufóricamente. George caminha devagar em direção à porta, vendo no chão do quintal uma sombra que parecia ser uma pessoa, em cima do muro de sua residência.

VANESSA
Seu escroto, se você está pensando que vai...

GEORGE
Cala boca, Vanessa!

VANESSA
Não me manda calar a boca, porque...

GEORGE
Cala a boca, Vanessa! Acho que tem alguém entrando aqui em casa.

George estica o pescoço tentando ver quem está no muro.

VANESSA
Está de brincadeira?! Isso é algum truque seu?! Olha, ela não vai voltar aí!

GEORGE
Cala a boca! Tem alguém...

Antes de George terminar a frase, um sujeito cai de cabeça no chão do quintal, fazendo um borrão de sangue e um barulho extremamente alto. Até mesmo Vanessa, do outro lado da linha, foi capaz de escutar. Depois disso, o único barulho vinha de Pepe, que continuava latindo euforicamente. George, confuso, não conseguia compreender o que estava acontecendo.

VANESSA
Olha, George, se isso for alguma das suas presepadas...

GEORGE
Eu já disse pra calar a boca! Alguém se jogou de cabeça no meu quintal! Será que não pode ficar quieta alguns segundos?!!

George chegou à porta e ficou em silêncio ao escutar o sujeito gemendo e levantando lentamente, ele exalava um odor desagradável, vestindo uma roupa de palhaço feita de trapos. Era o palhaço mais medonho que George já viu, repleto de manchas avermelhadas e marrons por toda sua roupa.

GEORGE
Olha, eu não sei o que quer aqui, mas é melhor ir embora, antes que eu dê um jeito em você ou chame a polícia...

VANESSA
Polícia? Achei que não queria saber de porra de polícia...

GEORGE
Fica quieta, Vanessa! - Gritou, numa mescla de raiva e apreensão.

Não demorou muito e o palhaço se pôs de pé, pegou a marreta e olhou para George. Acenou, dando um sinal de tchau e sorrindo. George sentiu um frio que percorreu toda sua espinha que quase o fez recuar, mas a curiosidade era maior que o medo. Continuou observando, enquanto o sujeito arrumava sua roupa, ajeitando cuidadosamente sua calça folgada e colocando o nariz vermelho no lugar. Parecia não se incomodar com a queda, mas colocou a mão na cabeça em um local acima da orelha, de onde escorria um líquido escuro e espesso cuja aparência lembrava, é muito, sangue humano. Pepe se aproximou mais, latindo e rosnando para o invasor que apenas sorria com muita tranquilidade.

GEORGE
Mas que porra é essa? - Em seu tom de voz era baixo, refletindo o espanto de algo tão bizarro.

O palhaço deu um tchau para o pequeno cachorro. George desviou o olhar por alguns instantes, pensando em abrir a boca para mandar Pepe parar de latir. Antes de pronunciar a primeira palavra, seu cachorro recebeu um golpe com a marreta, e o pequeno Pepe foi esmagando, seu sangue e pedaços espirram por todo o quintal. O George, atônito, voltou o olhar para o palhaço, vendo sua expressão mudar de ódio para um sorriso, olhando fixamente para George e dando novamente um delicado tchau.

GEORGE
Meu Deus, Vanessa, você precisa chamar a polícia! Vanessa? Vanessa? Alô?

O telefone estava mudo. Tentou desligar e ligar novamente, mas o nervosismo fez com que ele derrubasse o celular no chão. George corre e fecha a porta da frente, enquanto um som bem baixo, de um riso, vem do outro lado da porta.

GEORGE
O que você quer comigo?! A Marta que pediu para você vir aqui? Você é algum amigo dela?

Gritou, perguntando, mas não teve nenhum esboço de resposta... falada... O palhaço começou a bater na porta, como se fosse uma visita que esqueceram do lado de fora de casa.

GEORGE
Vá embora, seu maluco, filho da puta!

Desta vez gritou bem alto, mesmo com o invasor batendo na porta e rindo bem baixo, até que a resposta chegou:

PALHAÇO
Hello, come out to play! Heelloooo, come out to play! Heellooooooo, come out to play-ay!

GEORGE
Que merda é essa que ele está falando?

Ele reconhecia que eram frases ditas em inglês, mas perguntava a si mesmo o que poderiam significar. Apesar do choque da situação, George se lembrou de que o inglês foi sua pior matéria na escola. Nunca nutriu afinidade pelo idioma e nunca se importou em aprender, sempre que possível, faltava ou cabulava essas aulas.

GEORGE
Que momento para se pensar nestas coisas - Logo em seguida, vieram os gritos - O que você quer aqui, porra?!

Mas o palhaço continuava com a mesma frase, rindo baixo, enquanto dava algumas batidas na porta. Desta vez, George não teve o mínimo arrepio na espinha. Estava tão apavorado que seu corpo não respondia mais a essas sensações, ou talvez até pudesse estar respondendo, e se estivesse, ele não perceberia.
Era insano, nada fazia sentido. No entanto, o medo passou rapidamente e deu lugar à segurança quando ele se lembrou da canela seca guardada na gaveta do guarda-roupa.

GEORGE
Escuta, seu filho da puta, eu tenho uma arma, e se não der o fora daqui vou estourar sua cabeça!

E isso era realmente verdade. George possuía essa arma que não utilizava há quase dois anos, proveniente de uma época em que pilotava carros para seus amigos durante os assaltos realizados nas madrugadas. Embora sempre tivesse emprego, os assaltos eram uma forma de garantir dinheiro extra no final do mês. Normalmente, os alvos eram grandes mercados e caixas eletrônicos. Ele parou de praticar essas atividades devido ao perigo envolvido, embora nunca tenha considerado errado. Acreditava que era um imposto que o governo devia a ele; todos deveriam retirar sua parte. Essa era uma das muitas frases e ideias que ele criara para se convencer de que aquilo era o correto a ser feito, assim como a expressão "Contanto que sua televisão continue em sua sala, não faz mal usar um pouco", que usava depois de consumir cocaína com os amigos. Era o "jeito George" de afirmar que não havia problema, desde que não se tornasse um viciado, do tipo que rouba as coisas de dentro de casa para comprar mais drogas. A frase que mais repetia em casa era "Um cachorro não apanha, só é disciplinado"... Marta sempre demonstrava ignorar essa frase, o que o deixava furioso às vezes, mas apenas ela sabia o quanto doía ouvir isso depois de uma surra.
George correu para pegar a arma na última gaveta do guarda-roupa, aquela em que a mantinha guardada junto com uma revista em quadrinhos, a primeira edição de Constantine, uma das poucas lembranças de sua infância que não foram destruídas. No entanto, para sua surpresa, nem a arma nem a revista estavam lá. Fazia quase quatro ou cinco meses desde a última vez que a pegou para limpar. Mesmo sem necessidade, ele a limpava e, às vezes, a utilizava para intimidar Marta.

GEORGE
Deve ter sido aquela vagabunda... - disse baixo.

George então tirou a gaveta do guarda roupa para confirmar que a arma realmente não estava lá.

GEORGE
Marta deve ter se livrado da arma depois de tantas ameaças, ou deve ter fugido e levado com ela e depois mandou esse sujeito vir aqui me matar.

Era no que conseguia pensar naquele momento, que tudo se tratava de uma vingança de sua esposa. No entanto, um barulho vindo da porta da frente de casa, seguido de um berro, pôs fim à sua tentativa de compreender a situação.

PALHAÇO
Motherfucker, why didn't you open the door?

O palhaço parecia furioso, mas conforme falava sua entonação mudava, aparentando ficar mais calmo.

PALHAÇO
Sorry, please... sorry little boy! Come on! Let's go!

Pelo barulho que tinha escutado e pela voz do palhaço, ele quebrara a porta e estava dentro da casa.

GEORGE
Sem dúvidas, esse sujeito é maluco

Pensava isso porque, mesmo alertado sobre a arma, o estranho invadiu a casa sem se importar...

GEORGE
Ou então sabe que não estou com a arma em casa, já que foi mandado aqui pela vagabunda... Mas se ela está achando que eu vou morrer, está enganada!

George arranca um pedaço de madeira do guarda-roupa e espera pelo palhaço, que abre a porta devagar. O palhaço entra com os olhos arregalados e uma das mãos na boca para segurar as risadas. A porta se abre completamente, e George ainda está segurando o pedaço de madeira prensada, como se fosse um taco de beisebol. Nenhum dos dois se move; o coração de George bate tão forte que ele consegue escutar as batidas, ou pelo menos tem a impressão de que está escutando, quando a expressão do palhaço muda novamente, e o leve sorriso dá lugar para dentes serrados de raiva.

PALHAÇO
Urrhh!

Após um grunhido, o palhaço avança para cima de George com a marreta erguida, em alguns poucos segundos, George revida o ataque do Palhaço com o pedaço de madeira que se espalha em vários fragmentos ao acertar o invasor.

GEORGE
Essa madeira podre e vagabunda - pensa George enquanto também é atingido pela marreta.

Apesar do Palhaço não acertar em cheio a cabeça de George, o faz cair de joelhos no chão.

GEORGE
Meu Deus - pensa ao ver seu reflexo no espelho - Como continuo vivo? - se questiona, vendo metade de sua cabeça esmagada e um dos seus olhos quase para fora da órbita ocular - Como eu vou arrumar isso?

George não consegue mais falar, apenas balbucia sons que de longe poderiam ser alguma palavra que estivesse pensando em pronunciar.
Ele se vira para o palhaço, que muda sua expressão de ódio e sorri gentilmente para George. O palhaço o coloca no colo enquanto George apenas baba sangue e balbucia sons sem
sentido algum.

Continua...

Por: Mudo & Lady

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