A MÃE - A NOITE CAI - 2º PARTE



A MÃE - A NOITE CAI - 2º PARTE

Faz um ano desde a morte de Carla. Durante todo esse tempo, dediquei-me a recolher informações sobre o ocorrido. Conversei com especialistas, passei noites vasculhando a internet e pesquisei tudo o que podia saber sobre hemorragia espontânea. No entanto, nenhuma explicação me satisfazia e nada parecia fazer sentido.

Em uma dessas noites de insônia, lembrei-me do que os paramédicos disseram. Não se tratava de um caso isolado. Haviam ocorrido outros cinco casos na mesma noite.

Na manhã seguinte, fui até o hospital, mas não consegui obter nenhuma informação com a administração. Eu deveria saber que eles não me passariam informações sobre outros pacientes. Mas nem tudo estava perdido. Uma enfermeira que me ouviu perguntando sobre os casos na administração me indicou uma mulher cujo filho havia sido um dos casos de óbito por hemorragia espontânea na mesma noite. A enfermeira me passou o endereço e me alertou para tentar ser o mais paciente possível com aquela mulher, já que ela não era a mesma pessoa desde aquela noite.

Ainda naquele dia, durante a tarde, fui até a casa da mulher, tendo apenas uma barra de cereal no bolso. Esperei voltar cedo, passei por uma pequena favela e atravessei uma ponte sobre um córrego de esgoto que me levou a um terreno baldio que mais parecia um lixão. Não havia casas vizinhas, apenas aquele enorme sobrado que aparentava estar abandonado. A tal mulher me atendeu de forma bem ríspida e me recusou falar com ela. A enfermeira havia me avisado para ser paciente.

Naquela mesma tarde, voltei algumas vezes à residência, e novamente ela esbravejou insultos e disse que não queria falar comigo. Cansado e com fome, sentei-me em um tronco ali perto, peguei a barra de cereal do bolso, olhei para o céu e percebi que a noite havia caído. O ar estava frio e uma escuridão profunda parecia me engolir. Fui abraçado pelas trevas, suas carícias eram cheias de angústia e frustração. Elas me diziam para voltar para casa e que não teria as respostas que tanto queria com aquela mulher, mas não dei ouvidos. De jeito nenhum eu desistiria.

Não sei o que tinha na cabeça, mas, em meio àquela escuridão, andei sorrateiramente em volta da casa, peguei um pedaço grande e velho de corda que vi largado ali no chão e continuei rondando o local até encontrar uma janela aberta. Invadi o lugar, determinado a fazê-la falar comigo. Andei alguns passos e senti uma forte pancada na cabeça.

Acordei com a visão turva. Devo ter desmaiado com aquela pancada. Não tenho ideia de quanto tempo passou, mas ainda era noite. Estava amarrado em uma cadeira, com um pano na boca. Acho que cometi um grande erro.

Mulher
Você está mentindo.

Edson
É verdade, senhora.

Mulher
Então por que estava invadindo minha casa com essa corda?

Edson
É que eu...

Mulher
Cala a boca, você ia me amarrar com essa corda. Era pra eu estar aí no seu lugar, amarrada e vulnerável, mas algo deu errado no seu plano. Então me diz quanto aquele desgraçado pagou para você vir aqui me matar?

Edson
Eu não sei do que a senhora está falando!

Mulher
Eu tenho certeza que você sabe! Ele pagou você para me matar, não foi? Ele não pagava a pensão, mas tem dinheiro para vingar aquele outro lixo que abandonou comigo.

Edson
A senhora está fora de si.

Mulher
Eu queria deixar você ir embora, só para enviar um recado àquele imbecil. Fui eu sim! Eu matei o merdinha dele! Sabia que iria se tornar um lixo igual ao pai, fiz um favor ao mundo.

Agora ferrou de vez, se ela está contando que matou o próprio filho e porque pretende me matar.

Mulher
Quer saber como eu fiz? Eu bati na cabeça dele com uma marreta. Ele sangrou pelos olhos e boca. Foi a melhor imagem que presenciei em toda a minha vida. Eu não queria o corpo daquele nojentinho aqui, então fui andando até o hospital. Pensei mesmo que seria presa por isso, mas quando cheguei carregando aquele porcaria em meus braços, houve uma comoção geral. Apenas colocaram o bostinha em uma maca e um dos paramédicos disse: “mais um caso, alguém ajude essa pobre mulher”.

Ela tapa minha boca com o pano e sai caminhando, iluminando o caminho com a luz do celular. Deve ter ido pegar a tal marreta. Me solto das cordas com facilidade, devo ter sorte porque essa psicopata nunca deve ter amarrado alguém. Abro a janela e vejo uma noite clara. A lua parecia ser um grande balão brilhante. Não sei o que houve com a escuridão que havia caído no início da noite, mas não estava assim quando eu cheguei. Apesar de ser uma bela imagem, não consigo apreciá-la por muito tempo. Eu tenho que sumir daqui rápido. Deixo a janela escancarada, e ao invés de pular, me enfio debaixo da cama. Vejo ela voltando por conta da luz do celular. Seus pés passam ao lado da cama e seguem na direção da janela.

Mulher
Maldito! Acha que vai escapar!

Deu certo. Ela acha que pulei a janela e sai do quarto correndo. Espero alguns segundos e saio debaixo da cama. Me levanto e caminho atravessando a porta. Vejo uma escada bem perto de mim, que deve dar para o andar de baixo, mas o choro de um bebê me faz travar antes de descer as escadas. Escuto uma voz na minha cabeça que diz para não ir ver de onde vem o choro. Que esse problema não é meu, mas ao contrário, volto, sigo o som e entro em outro quarto. Lá vejo um berço velho e sujo, com um bebê sem roupas e visivelmente machucado. Sua pele tem um tom meio roxo. Talvez por tanto chorar, ou por conta do frio. Ao lado do berço está um homem nu, amarrado com fios e varais. Parece que me enganei sobre o fato dela nunca ter amarrado alguém, apenas nunca usou uma corda para isso. Quando retiro o pano da boca do sujeito, ele desperta.

Homem
Aaaaaaaaaa pelo amor de Deus, me ajuda, me tira daqui! Por favor.

Edson
Calma, calma, fala baixo...

Ele continua gritando e berrando, isso me deixa apreensivo, mas não posso deixar esses dois aqui nessa situação. Então, tapo sua boca, olho bem em seus olhos e tento acalmá-lo.

Edson
Olha amigo, não faça barulho, se continuar berrando, ela vai saber que estou aqui. Vou soltar sua boca e te desamarrar.

Tiro a mão de sua boca e começo a soltar os fios, mas ele está alucinado e continua gritando, não entendeu mesmo o que falei.

Homem
Me tira daqui! Me ajuda! Me ajuda!

Edson
Esse bebê é seu filho? Senhor, calma, tenta me responder, esse bebê é seu?

Ele para de gritar por alguns instantes ao ver uma luz se aproximando. Nós dois sabemos que ela voltou por conta da luz do celular. Ele está quase solto, mas antes de terminar de desamarrá-lo, o miserável vira a cabeça em minha direção e, com um olhar de pânico, volta a gritar.

Homem
Ele está aqui, me ajuda! Ele quer me levar embora, socorro! Não deixe ele me levar!

Maldito, eu tento ajudá-lo e o desgraçado faz isso. Não tenho tempo para julgamentos, mas é uma atitude covarde. Pronto, agora ele está solto e bem a tempo, ela acabou de entrar no quarto.

Mulher
Não minta pra mim, eu escutei você gritando por ajuda, e você sabe muito bem o que acontece quando grita...

Ao perceber que está solto, o homem pula em cima da mulher e a morde entre o nariz e os lábios. O impacto do salto faz os dois irem ao chão. Ele está em cima dela como um leão arrancando a carne da sua presa. Puxou com uma dentada um pedaço da face daquela mulher. Ela grita enquanto ele bate com a cabeça dela no chão do quarto. Olho para o bebê que não parou de chorar nem por um minuto em meio daquele caos. Eu tinha esquecido do choro e só voltei a perceber agora. Pode parecer loucura, mas, por um instante, consigo sentir sua dor e agonia. Me desculpe, pequeno. Abro a janela do quarto, e desta vez não me importo com a altura. Tento descer a janela me segurando por um cano ao lado da parede que arrebenta com meu peso. Caí e me levanto do chão. Saio correndo até ficar sem fôlego, mas só paro quando chego a uma distância que me faz sentir seguro. Nem sei por onde corri. Devo ter feito outro caminho e acabei saindo em uma rua qualquer. Estou abalado com tudo aquilo, mas mantenho o controle e caminho até um bar próximo onde compro uma garrafa d’água. Agradeço o senhor que a trouxe. Vou até um orelhão do outro lado da rua. O primeiro está quebrado, porém, o mais baixo está funcionando. Ainda bem, não queria usar meu celular para isso. Eu tenho que abaixar para ver os números, mas serviu para fazer uma ligação. Uma policial atende a ligação, e passo o endereço do sobrado. Depois digo que é uma emergência e desligo. Agora posso ir para casa.

No dia seguinte, quando acordei, aquele sobrado estava em todos os noticiários. Meu peito foi tomado por um forte aperto ao escutar a moça do jornal:

Jornal:
“Uma denúncia anônima leva a polícia a encontrar o corpo de uma mulher em sua residência. A vítima foi encontrada mutilada com marcas de mordida e ossos quebrados. Estava amarrada a uma cadeira com pedaços de fios e várias - apesar de ter um berço na casa, nenhuma criança foi encontrada.”

“Nenhuma criança foi encontrada”. Sinto muito, pequeno. Não faço ideia do que você está passando neste momento. Eu não pude te salvar, mas espero que um dia você consiga me perdoar.

CONTINUA...

Por: Mudo

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A noite cai - 1º parte

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