A MORTA NÃO SOU EU

A MORTA NÃO SOU EU

A lua brilha como uma gigante esfera prateada, suprindo a falta de iluminação das lâmpadas quebradas, entre ruas e vielas escuras de um bairro da zona leste. O silêncio da madrugada é quebrado com os sons dos passos de uma moradora da região. Ela caminha de volta para casa, vindo de um dia exaustivo de trabalho. Hoje não era a melhor noite para ficar até tarde fazendo hora extra e seu caminhar rápido expressa o medo de se tornar mais uma vítima. Os jornais e noticiários alertam todos para tomarem cuidado, há um assassino a solta.

NOTICIÁRIO:

"Moradores dos bairros da zona leste, tomem cuidado. Os policiais ainda não encontraram o assassino que fez uma série de vítimas desde outubro do ano passado. Dizem que esse maníaco faz apenas uma vítima por noite, no entanto, foi atribuído a esse monstro mais de 27 corpos sem vida, todas mulheres, exceto pelo corpo de um homem. Supostamente, ele deve ter sido morto por presenciar o maníaco em ação. Talvez essa tenha sido a única vez que ele matou mais de uma pessoa na mesma noite. Por isso, tranquem as portas, fechem as janelas das suas casas e não saiam à noite, pois o assassino de mulheres está por aí, em busca da sua próxima vítima."


Todos os veículos de informação buscam maiores números no IBOPE com uma sequência de notícias bizarras dos assassinatos, forjando um castelo de sangue e corpos, que se mantém erguido graças à forma que os jornais exaltam, de maneira velada, cada morte desse assassino desconhecido.

A pobre jovem não quer, de jeito algum, se tornar mais uma gota em meio ao mar de sangue dos noticiários. Tão jovem e com tanto para viver, ela acabou de ser promovida, deu entrada numa casa própria com o seu noivo, e o casamento está previsto para o final do ano. Curtir uma lua de mel nas Maldivas. Ela tem medo de ser a próxima vítima e teme pelo futuro que havia planejado, porque tudo isso pode vir a se tornar um sonho não realizado. Ela sabe que precisa ser cautelosa, na sua volta para casa, uma virada na esquina errada e será o fim de tudo.

Quantas vezes ela sentiu-se presa na sua própria casa, sem poder sair à noite com seu noivo ou mesmo ir ao supermercado. E a mídia não ajuda, mostrando fotos macabras das cenas dos crimes e fornecendo detalhes sórdidos dos assassinatos. Isso só faz com que a jovem se sinta ainda mais insegura e vulnerável. Mas ela continua caminhando, acompanhada das suas aflições, torcendo para não cruzar com essa terrível besta capaz de tirar a vida de outro ser humano apenas para saciar os seus prazeres animalescos de ver a vida de alguém se esvair do corpo.

O susto é imediato, porém os seus temores dão lugar ao alívio ao encontrar "apenas" o cadáver de outra mulher. A jovem solta um suspiro, aliviada por se sentir segura, já que o assassino só faz uma vítima por noite. Ela continua andando, pisando na beirada da poça de sangue para passar por cima do corpo. Nesse momento, reconhece a garota morta como uma moradora do local, com quem frequentou a mesma escola há alguns anos. Chegando ao final da viela, a jovem solta um leve sorriso, e segue na sua jornada de volta para casa cochichando pelo caminho.


JOVEM

“Estou bem… vou continuar bem… apenas uma vítima por noite… antes ela do que eu...”


E realmente, não foi essa noite, pequena jovem. Hoje, outra pessoa será tema dos jornais de amanhã, hoje, outra pessoa virou mais um número em meio às estatísticas, hoje foi outra pessoa que se deparou com o maldito assassino. Você está segura desta vez...

Tranquilizada, agora a jovem é dominada por um sentimento de alegria que enche o seu peito, internamente ela comemora o fato da outra garota ter esbarrado com o assassino antes dela. E diga-me, por que não ficar feliz com isso, não é mesmo? Afinal, o corpo sem vida daquela outra mulher significa um dia a mais de vida para ela.

Não julgue e nem fique chocado com a atitude dessa jovem. Te garanto que ela não é pior que o monstro que foi estripado e largado no chão daquela viela. Sim, estou falando do cadáver da moradora reconhecida pela jovem. Ela teve a mesma reação algumas semanas atrás ao ver que outra pessoa tinha se tornado a vítima do assassino. Depois, ela fotografou o cadáver e vendeu as fotos para jornais e sites de notícias. Comemorou com extrema alegria por encontrar aquele cadáver antes da polícia chegar, cobrindo o corpo e afastar os curiosos. Só não imaginava que semanas depois ela seria a próxima vítima do assassino.

Segundos antes da sua morte, enquanto era esfaqueada, se perguntou se a sua atitude mórbida desencadeou o destino fatídico de se tornar a próxima vítima, e uma resposta que a jovem que a reconheceu e expressou grande felicidade e alívio ao vê-la morta, venha a descobrir em breve.


Eu quero que você entenda uma coisa! Nesta cidade, pessoas más são devoradas por pessoas ainda piores. E talvez esse assassino seja o menor dos demônios que você terá que enfrentar no meio deste inferno!


Seja bem-vindo ao blog, depois da meia-noite.



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Por: Mudo


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