UM MEME - A NOITE CAI - PARTE 4

UM MEME - A NOITE CAI - PARTE 4 

Haviam se passado dois anos desde que me mudei para outra cidade. Decidi abandonar a busca pelo que aconteceu com minha falecida esposa, Carla, após vivenciar duas situações que pareciam terem sido retiradas de um filme de terror. No entanto, durante o enterro de um velho amigo, retornei ao meu antigo bairro, e ao passar pelas ruas onde morava, tristes lembranças que tentei esquecer ressurgiram.

E foi durante esse funeral, enquanto o padre buscava confortar a família com suas singelas palavras, que uma epifania ocorreu: "Amigos, mesmo quando a noite cai e a escuridão parece interminável, sejamos comedidos pois em breve chegará um amanhecer."

A NOITE CAI... Essa frase despertou lembranças dolorosas em mim, mas tornou-se uma chave que abriu uma porta. Carla repetia essas palavras antes de sua morte, e percebi que nunca procurei nada sobre essa frase. Talvez eu estivesse buscando respostas da maneira errada.

Após o enterro, decidi alugar um quarto em um hotel na minha antiga vizinhança.

Ao abrir meu notebook e iniciar a busca, me deparei com uma série de informações relacionadas a um antigo meme da internet, cujo criador permanecia desconhecido. Entre brincadeiras, montagens e vídeos, surgiam também rituais de invocação, creepypastas e superstições que ultrapassavam os limites da imaginação. Em meio a esse emaranhado, emergiram cada vez mais conteúdos obscuros associados a esse meme. Pode parecer insano, mas à medida que mergulhava nesse universo, as superstições começaram a adquirir uma lógica, mais coerente do que qualquer explicação convencional que me deram. E agora a minha dúvida era: será possível que um meme da internet, ou melhor, uma creepypasta, pudesse ser real?

[Meme] Aquele que afirma conhecer o seu nome está brincando, quem alega tê-lo avistado está mentindo, e quem diz ter escutado está delirando! Conta-se que essa sinistra criatura era dotada de grande poder, buscando mergulhar o mundo em trevas eternas fazendo a noite cair durante duzentos dias, já que repudiava a luz. Ao perturbar o equilíbrio, desagradou tanto a Deus quanto ao Diabo, desencadeando assim uma batalha. Ao perceber-se ferido e incapaz de prevalecer nesse embate, refugiou-se em um outro mundo, onde nem o divino nem o maligno poderiam encontrá-lo. Por essa razão, ele conduz consigo todos aqueles que, de alguma forma, ouviram falar, vislumbraram ou desvendaram seu nome, assegurando-se de permanecer oculto. Uma vez em seu refúgio é impossível sair. Ele mantém essas almas como reféns pela eternidade, se alimentando de seu sofrimento.

Agora a busca era fora do mundo digital. No início pensei que "A noite cai" fosse uma espécie de praga que alguém lançava para que as pessoas a contraíssem e a transmitissem para outras. Assim, decidi procurar um especialista no assunto.

A primeira pessoa que procurei foi um padre, mas ele não soube me orientar. Os filmes estão totalmente equivocados sobre os padres; eles não entendem nada de fenômenos sobrenaturais. Eu esperava que ele me conduzisse a uma biblioteca repleta de livros de línguas antigas cheios de mistérios, onde iríamos discutir antigas maldições. Isso reforça minha aversão a assistir filmes, pois disseminam muitas mentiras.

Em seguida, consultei uma mãe de santo que prometeu um passe, mas que também não surtiu efeito. Ela foi bem receptiva e gentil, mas nada disse sobre "a noite cai". Parti para um pastor, que afirmou que eu estava sendo perseguido por um demônio, falou com tanta convicção que realmente parecia entender do que se tratava. Ele insistiu para que deixasse esse demônio para lá, que isso era perigoso, mas me perdeu quando quis que eu me convertesse e me arrependesse de todos os meus pecados, antes que fosse tarde demais. Ao perguntar quando eu poderia contribuir em dinheiro para que ele pudesse me ajudar a passar por aquele infortúnio, percebi que as piadas sobre pastores que pedem contribuições dos fiéis não eram apenas clichês.

Desorientado, com pouco conhecimento sobre outras religiões ou cultos místicos, elaborei uma lista de pessoas com quem precisava conversar. Ciganos estavam no topo da lista, ainda sendo influenciado por suposições cinematográficas. Lembrei de um filme que assisti com Carla, que sugeria que ciganos entendiam desses assuntos sobrenaturais, se não me engano esse filme era até baseado em um livro do Stephen King. 

Então, mais uma vez, parti em minha busca. Ao consultar uma cartomante, fiquei aflito quando ela disse que eu buscava a própria morte. Foi bem sincera ao afirmar que só podia fazer pequenas previsões sobre o futuro e não entendia nada sobre lendas ou maldições, por isso minha aflição, ela não era uma mulher de mentiras e talvez estivesse certa ao prever que eu busco pela morte.

Visitando um centro espírita, recebi uma carta psicografada da Carla. Isso poderia ter me proporcionado todas as respostas que eu buscava, mas ao lê-la, percebi imediatamente que não se tratava de uma carta dela. Afinal, Carla não se expressa dessa maneira da carta. Contudo, não julgo; talvez esse tipo de experiência possa proporcionar conforto às pessoas que buscam consolo. A carta continha boas notícias, como "sinto saudades, mas estou bem", "ore por mim, que orarei por você daqui" e "quero que seja feliz", mas não era o que eu procurava. Em busca de uma verdade, consultei um rabino, homem culto e educado, que, embora não tenha conseguido fornecer informações, se prontificou a me ajudar caso encontrasse mais detalhes sobre o assunto.

Tentei também com um bispo, pensando que, já que são superiores na hierarquia católica, talvez tivesse acesso a informações que um padre não teria. Novamente, sem sucesso na busca por uma biblioteca secreta. Ele tentou me ajudar mais como um psicólogo, questionando minha situação financeira, se tinha problemas pessoais, se estava superando um trauma recente, mas sempre trazendo o papo sobrenatural para a realidade de problemas modernos.

Conheci um indígena chamado Cris, que usava iPhone e Crocs, ficou ofendido quando comentei sobre sua aparência. Recebi um sermão sobre preconceitos estruturais, pedi desculpas e ele concordou em me levar para falar com seu avô, um homem muito espiritualizado.

Fui até a casa do Cris, um local bonito repleto de artigos indígenas. Apesar da presença desses objetos, a residência não refletia muito o estilo indígena. Para minha surpresa, a casa parecia saída de um filme futurista, toda moderna, cheia de aparelhos domésticos tecnológicos. Esse fato fez com que eu perdesse um pouco da credibilidade, já que não se encaixava na expectativa que gerei frequentando outros ambientes ligados ao ocultismo. Decidi guardar essa observação para mim, evitando comentários desnecessários. Agora, ciente de que essas percepções eram, na verdade, preconceitos baseados em estereótipos que eu formei em minha cabeça, assim não levo outra bronca do Cris.

Cris me conduziu à sala de sua casa, que lembrava bastante um cenário de gravação de novelas. O local era espaçoso e decorado com bom gosto. Cris então se dirigiu a um senhorzinho bem velho que estava sentado no sofá.

CRIS
Sente aqui, de frente com meu avô - orientou Cris.

CRIS
Edson, vá falando, que eu vou traduzindo.

EDSON
Está bem… minha esposa faleceu há quase dois anos. Durante seus últimos momentos, seus olhos, nariz e boca sangravam enquanto repetia várias vezes: “A noite cai, a noite cai, a noite cai.”

Cris repetiu tudo que disse para o velho, que pediu para segurar a minha mão, ele então começou a pronúncia frases que não sei dizer se ele as repetia já que era outro idioma e todas palavras soam iguais para mim. Ficamos assim por alguns minutos até que o velho virou a cabeça para trás e começou a roncar.

EDSON
Cris muito obrigado, você tem uma casa muito bonita e o lance da reza foi até legal e tal, mas o velho está dormindo, então eu vou andando.

CRIS
Edson isso não era uma reza, na verdade era...

E antes que Cris pudesse falar algo o velho segurou minha mão com muita força, o que não permitiu que eu fosse embora, Cris caiu empurrando para trás por uma pressão no ar que eu pude sentir, nesse momento ele até esqueceu o português e começou a falar algumas coisas em seu idioma nativo.

O velho levantou bem devagar da cadeira e seu corpo velho e encurvado começou se esticar arrumar sua postura, ele inflou e o velho parecia um tanto quanto forte, ao abrir seus os olhos eles estavam totalmente brancos.

AVÔ
"Quem procura pela noite?"

Uma voz rouca e tremula saia da boca daquele velho, mesmo com os dentes frisados as palavras eram muito nítidas.

EDSON
Cris, eu achava que seu avô não sabia falar português.

Cris sacode a cabeça dizendo que não, ainda muito assustado.

CRIS
E não fala.

AVÔ
"Vou perguntar só mais uma vez quem procura pela noite?"

A coragem não me vinha, eu queria dizer que era eu que procurava, mas Cris olhava pra mim com um olhar de reprovação, para eu não responder, mas ali na minha frente tinha alguém que poderia ter as respostas, e tirar as dúvidas que eu procuro e colocar fim na minha busca.

AVÔ
"Ele não responde, não consigo saber quem é, não por favor me dá mais um minuto, não me leve assim de novo".

O velho começa a tremer e a soltar a minha mão aos poucos, seus olhos, nariz e bocas sangram muito como naquela noite que encontrei Carla, ele larga a minha mão de vez.

AVÔ
"A noite cai, a noite cai, a noite…"

A voz dele começa a mudar e ele então para de falar português e volta a falar seu idioma.

EDSON
Meu Deus Cris, precisamos chamar um médico!

CRIS
Não precisa, ele recobrou a consciência, e o sangramento parou.

EDSON
E agora, o que ele está falando?

CRIS
Calma... Ele disse que ficou escondido no meio da escuridão e viu tudo o que aconteceu de lá. Ele afirmou que, se você descobrir quem é o responsável por fazer a noite cair, ele irá te levar, por isso pare de procurar. Pois, no momento em que você o vir, ele te levará e terá o mesmo destino que sua esposa.

EDSON
Mas ele sabe! Se ele descobriu quem era e ficou bem, talvez eu também fique bem.

Cris sussurra algo para o velho, que responde misteriosamente e começa a entoar uma canção.

EDSON
O que ele disse?

CRIS
Que foi avisado, e que você procura é a morte.

Certo, o mesmo que a Cartomante disse; isso realmente está me deixando preocupado.

Continua…

Por: Mudo

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