CARLA - NOITE CAI


CARLA - NOITE CAI

Era outra típica noite ociosa ao seu lado, abraçados enquanto assistíamos "Amor além da vida" com aquele ator que ela sempre comentava, Robin alguma coisa. Ela adorava filmes, já eu nunca gostei de perder meu tempo na frente da televisão por mais de meia hora, a não ser que estivesse com ela. Aí valia a pena, porque ao seu lado, todo o tempo era bem aproveitado. Eu olhava mais para ela do que para o filme, mas como não olhar para aquela mulher?

Dei um leve beijo em sua nuca, e ela se levantou com aquele olhar, um olhar de baixo para cima, como se estivesse me reprovando por algo.


CARLA
Já vai começar, né?


Depois de alguns segundos, ela sorriu. Aquilo era justamente uma das coisas que eu mais gostava, um sorriso malicioso que dizia mais do que qualquer toque. Aquele sorriso transmitia uma única coisa reciprocidade.


EDSON
Volta aqui, amor.


CARLA
Já volto, vou só pegar uma água e volto para terminarmos o filme.


Ela sorriu novamente e se virou. Até seu caminhar me deixava apaixonado, e depois daquele instante, nunca mais pude admirar tais momentos. Escutei um barulho de copo caindo no chão, perguntei diversas vezes se estava tudo bem, me levantei, andei até a cozinha e me deparei com uma cena que até hoje não consegui esquecer.

A torneira estava ligada, e a água caía pelo ralo da pia. Havia cacos de vidro no chão ao lado do celular, que provavelmente eram do copo que tinha caído. Sua boca, nariz e olhos sangravam, enquanto ela repetia a mesma frase.


CARLA
A noite cai, a noite cai, a noite cai...


Liguei para a ambulância. Os paramédicos chegaram rápido, e me falaram que aquele era o sexto caso daquele dia com os mesmos sintomas. No hospital, recebi a notícia de um médico que Carla tinha vindo a óbito por hemorragia, assim como os outros pacientes que aparentemente sofreram do mesmo mal. Em seguida, fui levado para a delegacia, onde tive que contar tudo o que aconteceu durante aquela noite, locais que ela tinha ido ou alimentos que havia comido. Percebi que eles tentavam buscar alguma ligação com os demais casos, mas nada parecia fazer sentido. E apesar dela não apresentar nenhum hematoma no corpo, os policiais me tinham como um possível suspeito. Afinal, era uma história muito maluca. Eu mesmo não acreditaria se não tivesse presenciado. Acho que só fui liberado por conta dos outros casos semelhantes que aconteceram naquela mesma noite.

No dia seguinte, no velório, seus familiares me encaravam com terríveis olhares de julgamento. Tão poderosos que conseguiram me fazer sentir culpa por um mal que não causei. Eu sentia que havia perdido muito mais do que eles, ainda assim me encaravam de cima a baixo. A polícia podia ter me absolvido de qualquer suspeita, mas os familiares de Carla precisavam de um culpado, e eu era o bode expiatório. Me mantive calado durante toda a cerimônia para não gerar nenhum conflito pior do que aquele clima hostil. E foi apenas no final do enterro que Caren, a irmã de Carla, veio falar comigo.


CAREN Eu sei o quanto você a amava, mas espero que compreenda que é muito difícil para eles. Até mais, Edson. Se cuida.


Ela me abraçou e foi embora, sem esperar minha resposta. Eu queria ter dito que não descansaria até saber o que havia acontecido com sua irmã, e que agora a única coisa que me importava era descobrir o que houve com Carla, pois somente assim conseguiria aliviar um pouco essa dor que crescia dentro do meu peito. Mas me mantive calado enquanto a observava indo embora.

Continua...

Por: mudo.

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